População negra sofre psicologicamente com o racismo

População negra sofre psicologicamente com o racismo

Imagem de divulgação – Cidade Verde

O preconceito racial é um problema que ultrapassa fronteiras, desde o início da colonização das Américas e da escravização dos povos negros no século XV  se instaurou uma ideia de que tanto negros quantos indígenas eram de todas as formas inferiores. Essa ideia de inferioridade presente até hoje, levantou no movimento negro mundial e brasileiro a discussão em torno do sofrimento psíquico causado por ela, o que acontece quando se estabelece a crença de que a etnia negra não é boa?

Segundo a psicóloga negra Izabella Ferreira, atuante no SAVIS, o racismo pode causar sofrimento psíquico pois a identidade negativa imposta às pessoas racializadas prejudica sua autoestima. Izabella elucida que o sofrimento psíquico é o “desequilíbrio entre as forças individuais e ambientais que determinam o estado de equilíbrio psíquico das pessoas, trazendo consequências para o bom funcionamento das capacidades mentais do indivíduo e bem-estar subjetivo.”

Assim um criança negra ao crescer num meio racista onde seu cabelo, sua pele, todos os seus traços e sua cultura são considerados feios e até demoníacos ela pode se desenvolver com um desequilíbrio entre “as forças individuais” e as “forças ambientais”. Já que para vivermos bem precisamos acreditar na nossa capacidade enquanto indivíduos e quando essa crença é abalada uma possível consequência é um comprometimento do “funcionamento das capacidades mentais”.

O sofrimento psíquico decorrente do racismo não é o mesmo que a incapacitação daquele que o vivencia, uma das consequências psicossociais do racismo é o “crescimento e o questionamento”. De acordo com o referencial técnico para a atuação de psicólogas e psicólogos relativo a população negra, nesta consequência psicossocial (crescimento e questionamento) o negro e a negra toma consciência do racismo por meio do seu meio social e passa lutar contra ele.

A estudante de direito negra Laryssa Grazielle embora tenha sofrido racismo desde a infância não possui sofrimento psíquico, o que corrobora a fala da psicóloga já citada em que afirma que é possível que o racismo não resulte em consequências psíquicas desde que haja algum apoio familiar e ou de amigos e comunidade. Laryssa relata que embora não tenha desenvolvido problemas mais graves sua autoestima foi prejudicada quando na infância colegas a chamavam de “leite com café”, “chocolate quente” e “toddy”.

A estudante de direito narra que contava os insultos referentes a cor da sua pele a sua mãe, que escrevia vários recados em seu caderno para que ela mostrasse à professora, mas que ela tinha medo e achava besteira mostrar e acabava não o fazendo. A história de Laryssa aproxima-se de casos que acontecem dentro de consultórios psicológicos. Tanto o manual de referências técnicas para atuação de psicólogos e psicólogas nas relações raciais  quanto a psicóloga Isabela Ferreira apontam que muitas vezes os e as psicólogas não identificam casos de racismo sofridos por seus e suas pacientes, Izabela expõe também que muitas vezes a narração desses casos é diagnosticada como paranóia por muitos profissionais.

As doenças psíquicas mais atingidas pela população negra, segundo a profissional Isabella, são as doenças do humor como a ansiedade e a depressão, para ela o tratamento do sofrimento psíquico negro requer uma formação específica. Assim mesmo os psicólogos e psicólogas negras só serão efetivos no atendimento a indivíduos negros caso tenham estudado a situação negra e conhecido as consequências do racismo, como a construção de uma autoimagem ruim.

Laryssa indica que são poucas as pessoas que se assumem e se aceitam negros, na escola onde ela trabalha a maioria das mães não declara seus filhos como negros, independente da cor de sua pele e de seus traços, preferindo declará-los como pardos ou amarelos. A narrativa de Laryssa corrobora a fala da psicóloga e pesquisadora negra Neusa Santos em seu livro “Tornar-se negro” em que descreve que: “Ser negro é ser violentado de forma constante, contínua e cruel, sem pausa ou repouso, por uma dupla injunção: a de encarnar o corpo e os ideais de Ego do sujeito branco e a de recusar, negar e anular a presença do corpo negro”.

A estudante de psicologia Beatriz Cerqueira, aconselham para aqueles e aquelas atingidos e atingidas pelo sofrimento psíquico causado pelo racismo que não estejam sós, que embora se pense que é impossível pedir ajuda ela existe, a psicóloga Izabella também recomenda a busca por apoio familiar e atendimento psicológico. 

Políticas públicas e invisibilização da saúde mental negra.

Levando-se em conta que o racismo não é um problema subjetivo, isto é referente apenas aos sujeitos atingidos e atingidas por ele, mas também social, uma vez que é produzido e reproduzido continuamente por toda a sociedade, é também responsabilidade do estado e dos setores de saúde mental tratar o sofrimento psíquico causado por ele.

A consciência de que a reparação do sofrimento psíquico causado pelo racismo deve vir de toda a sociedade fez a psicóloga  Maria Aparecida da Silva Bento, em conjunto com outros dois homens negros fundar o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT). Criado em 1990 o CEERT em conjunto com o  Instituto AMMA PSIQUE NEGRITUDE tem articulado a comunicação entre o movimento negro e os profissionais da saúde mental.

Foi graças a essa articulação do movimento negro nacional e internacional, e a reivindicação de uma prática de saúde mental que observa-se a realidade social do racismo, que em 2009 foi instituída a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN). A Portaria Nº 992 do ministério da Saúde, além de prever a atenção a saúde “física” também institui a obrigatoriedade do atendimento mental à população negra e quilombola dentro do Sistema Único de Saúde (SUS).

A promulgação da portaria estabelece, entre outras coisas, o fomento à realização de estudos e pesquisas sobre o acesso dos e das negras aos serviços e ações de saúde e a implementação de ações de combate ao racismo institucional.Contudo, embora seja definida a produção de materiais e ações para informar sobre a saúde negra, não há diretrizes que promovam o seu ensino nos cursos acadêmicos voltados para a saúde.

A invisibilização da saúde mental negra no curso de psicologia e até mesmo a reprodução do racismo é denunciada pelo professor de psicologia da universidade Fluminens Abrão de Oliveira no artigo científico “Saúde Mental Da População Negra: Uma Perspectiva Não Institucional”. O professor descreve que durante sua graduação em psicologia na década de 1980 a idéia corrente era que “mulheres, negros e indígenas eram impuros e enfermos”.

Formada na faculdade CEULP ULBRA, Isabela conta que em geral as grades curriculares do curso de psicologia não adotam disciplinas que “abordem a questão racial e o compromisso da psicologia frente a esta demanda”. Na contramão das falas trazidas anteriormente Beatriz Cerqueira estudante de psicologia afirma que o debate sobre as causas raciais existe uma vez que na disciplina de antropologia o racismo é abordado. Além disso ela aponta que existem muitas palestras e rodas de conversa sobre o assunto e também sobre outros como a sexualidade, que também está presente na vida de muitos e muitas negras e negros. Beatriz afirma que muito desse debate é trazido pelo movimento estudantil representado pelo CA de psicologia do seu campus, mas afirma que o debate tem de ser cada vez mais ampliado e aprofundado.