A parede de caramelos
Cláudio Duarte
Ao conhecer a fábula de João e Maria, as crianças sonham encontrar uma casa feita de guloseimas. Em Araguatins, os pequenos quando chegam a nossa casa veem ali a chance de realizar esse sonho.
A cerâmica que reveste a parede da frente tem relevos que parecem caramelos derretidos; e as crianças não resistem em confirmar, passando a língua, se aquela parede é realmente feita de docinhos.
Com os olhos fixos na parede, elas passam as mãozinhas sobre a cerâmica dando uma leve lambidinha no relevo. Outra, e só pra ter certeza, mais outra. – Não é docinho. Elas dizem, dão um sorriso e vão embora.
Na família, tudo começou ainda nos anos 80, com os sobrinhos que já são pais; e logo virou tradição infantil herdada por todos os descendentes.
Assim que aprendem a andar, passam delicadamente as mãozinhas na cerâmica e dão uma lambidinha na parede. E mais uma, só pra ter certeza.
Os vizinhos da direita, Caboquinho e Inocêncio, e da esquerda, Liliu e Tontonho, disputam quem vai achar o docinho primeiro; e lambem, lambem, lambem… mas, a busca pelos caramelos estende-se para além das vizinhanças
Sucessora da família Fernandes, Talyta, aos seis anos de idade, modifica seu percurso só para passar em frente a nossa casa. A cada dia a menina lambe uma parte da parede na esperança de achar os docinhos.
Ela pede ajuda ao seu primo Fernandinho, que a princípio resiste; mas ela o convence que sim, aquilo é mesmo caramelo.
– Não, Fernandinho; nós não vamos desistir. Eles estão ressecados por causa do sol, mas assim que chover fica tudo molinho e a gente volta aqui.
E assim que chove, ela vai à casa do primo e, juntos e encharcados, fazem mais uma busca na parede de caramelos.
– Não há docinhos. Ele diz.
Ela ainda tenta fazê-lo subir numa escada, sugerindo que embaixo já está gasto, e por isso não tem mais sabor.
– Lá em cima é que estão os bons. Garante.
E tem ainda o menino triste que a mãe segurou pelo braço e não deixou que tocasse a parede de seus sonhos.
– É caramelo! É caramelo! Ele gritava, olhando para trás, enquanto ia sendo arrastado pela rua.
Agora, já adulto, passa a mão na parede e quer dar uma lambidinha; mas, envergonhado, se vai; mais uma vez frustrado e olhando para trás. Triste a sina desse moço.
Eu gosto dessa parede. Foi a vida toda acarinhada pelos pequeninos. Sem mentir, responde igualitariamente ao sonho das crianças de todas as classes sociais.
São seis e meia da manhã e abro a porta da casa. Um menino descalço, de bermudas e sem camisa está grudado à parede.
Arregala os olhos e dá um sorriso gigante.
– Nem é docinho! Diz ele; e feliz, parte sorrindo.
Foi só mais uma criança que lambeu a parede.
E de tanto vê-las, imaginei que talvez no alto, onde nenhuma delas alcançou ainda, haveria mesmo um caramelo.
Aproximei-me, passei delicadamente a mão na cerâmica e dei uma lambidinha; e depois mais uma. E outra, só pra ter certeza.
– Nem é docinho.
Foi só mais uma criança que lambeu a parede.
Link original: https://www.afontedasletras.com/2020/07/a-parede-de-caramelos.html?m=1
Fotos: Cláudio Duarte e Levi Santana