Com digitalização de salas de aula, pandemia acentua exclusão escolar

Com digitalização de salas de aula, pandemia acentua exclusão escolar

Em relatório divulgado na última semana de junho, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) informou que 40% de um grupo de mais de 200 países não têm como oferecer apoio a estudantes no ensino a distância, durante a pandemia. Na descrição sobre o Brasil, foram feitas observações quanto a escolas que aprovam estudantes que não assimilaram de fato os conteúdos e a barreiras enfrentadas pela parcela negra, definidas como “legado de oportunidades limitadas de educação”.

Em abril, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e o Programa Mundial de Alimentação (PMA) estimaram que cerca de 370 milhões de crianças poderiam ficar sem merenda, como resultado do fechamento das escolas ao longo da crise sanitária. Os números mostram como alunos socialmente vulneráveis acabam enfrentando mais obstáculos no contexto atual. Agora, a exclusão escolar se amplia com a falta de acesso à internet.

Apesar de ser adotada pelas redes públicas de ensino, como forma de garantir que os estudantes possam dar continuidade aos estudos, a ferramenta não está ao alcance de todos, que precisam utilizá-la para complementar materiais impressos, assistir a aulas online, resolver exercícios ou manter contato com os professores.

Percepção dos estudantes

Para a médica Talita Amaro, que coordena o cursinho pré-vestibular popular Mafalda, vinculado à Associação Beneficente Meraki, o que as secretarias municipais e estaduais de Educação estão oferecendo aos estudantes não pode ser classificado como ensino a distância, porque ele pressupõe a existência de uma “construção do conhecimento em fases“.

Em um levantamento do qual participaram 192 alunos matriculados, a organização do cursinho apurou que 48% têm aulas regulares (ensino médio ou técnico) e exercícios online, 16% apenas algumas disciplinas ou exercícios online e 3% não têm nem aulas, nem exercícios disponibilizados pela escola. Outro dado importante é que 67% declararam que não têm aprendido tanto em ambiente virtual quanto presencialmente. 

As maiores dificuldades citadas foram concentração e disciplina (74%), privacidade (51%), cumprir a carga horária (44%) e cansaço com a rotina de aulas pela internet (43%). A dependência dos recursos tecnológicos e o distanciamento dos educadores foram fatores indicados como negativos pela maioria dos entrevistados – 75% e 96%, respectivamente.

O ensino a distância tem estrutura pedagógica específica. Você não chega simplesmente, dá uma aula para o aluno e acha que aquilo substitui qualquer outra atividade. É um ensino progressivo. Toda vez que você se matricula em um curso online, ele tem uma estrutura preconcebida, que foi pensada no seu desenvolvimento. Então, você inicia com texto-base, faz algumas atividades avaliativas, assiste a aula, mas tem, constantemente, um feedback“, afirma. 

Kayume da Silva, de 26 anos, concluiu o ensino médio em 2013, com supletivo. Sua avó materna não teve a oportunidade de estudar e sua mãe completou apenas a 4ª série do ensino fundamental. Atualmente, a jovem, que é mãe de três filhos, diz que é difícil conciliar cuidados domésticos com a maternidade e uma rotina de estudos. 

Seu plano é ter o diploma de um curso técnico em gestão pública que, para ela, pode ser um atalho para ingressar no mercado de trabalho. Atualmente, ela é uma das alunas matriculadas no cursinho pré-vestibular da Rede Emancipa, movimento social de educação popular com unidades em todo o Brasil.

“Gosto de estudar na parte da tarde, mas ontem, por exemplo, vi que tinha de lavar roupa, fazer almoço. Quando vi, estudei muito pouco. Tenho uma filha de 4 anos e isso me atrapalha muito. Não consigo estudar três, quatro, cinco horas, focar”, conta Kayume.

Para a universitária Heloisa Ramos, que cursa química industrial e dá aulas no cursinho da Rede Emancipa desde 2018, é bastante perceptível a quantidade de desistência de alunos. As turmas, segundo ela, reuniam cerca de 400 pessoas matriculadas, número que já chegou a cair para 15 com a pandemia. Durante os intervalos das aulas, que duravam 50 minutos e eram dadas quinzenalmente, aos sábados, ela tirava dúvidas das turmas. Hoje, as aulas ocorrem uma vez por semana. Na sexta-feira, Heloisa abre um espaço para que os alunos tirem dúvidas sobre a matéria dada. 

Se antes da pandemia já existia evasão, com ela é uma coisa absurda. A gente perguntou a eles: o que está acontecendo? É por causa da plataforma? É a forma? É por falta de acesso à internet? As respostas foram variadas. Muitos trabalham no horário das aulas, outros têm um pacote de dados que não permite que possam participar de tantas lives [transmissões ao vivo], além de dificuldades financeiras, porque muita gente perdeu o emprego e não tinha como pagar pela internet, tinha familiares doentes. Não há somente a questão financeira, mas também a psicológica e, para os alunos periféricos, isso se agrava muito mais“, acrescenta. 

No cursinho tem muito aluno do ensino médio, mas também gente que já saiu da escola há muitos anos ou que veio da EJA, Educação de Jovens e Adultos. São alunos que têm muitas dificuldades. Então, às vezes, a gente está falando de um assunto que o aluno nunca viu na vida, ele fica desesperado, acaba desanimando e desiste“, afirma. 

Fonte: Agência Brasil

Foto: Divulgação

Redação