Laboratório no RS é referência nacional em identificação e descrição de ácaros
Foto: Wurlitzer & Ferla
Em 15 anos de atuação com descrição, pesquisa desenvolvida em Lajeado tornou conhecidas da ciência mais de 70 espécies de ácaros
Por Lucas George Wendt / Ascom
A maior parte dos ácaros é praticamente invisível ao olho humano, já que são criaturas pequenas. Mesmo pequenas, são muito diversas e compõem um grande grupo de animais. O trabalho de pesquisadores desenvolvido no Laboratório de Acarologia (Labacari) da Universidade do Vale do Taquari – Univates, de Lajaedo, ajuda a identificar e descrever espécies desse grupo.
Principalmente dedicada aos ácaros associados a plantas – em especial uvas, maçãs e erva-mate -, a equipe do Labacari também tem abordado ácaros hematófagos relacionados com as aves. Ao longo da sua trajetória, o Laboratório já estabeleceu parcerias com diversas entidades brasileiras, espalhadas pelo País, além de atuar internacionalmente com grupos de pesquisadores de países como o Japão, Turquia e Itália.
Fundado em 2003 como parte do Museu de Ciências da Univates, o Labacari é um laboratório que atualmente também integra a estrutura do Parque Científico e Tecnológico do Vale do Taquari – Tecnovates. As pesquisas desenvolvidas são realizadas nos Programas de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento (PPGAD), Biotecnologia (PPGBiotec) e Sistemas Ambientais Sustentáveis (PPGSAS).
Estimativas sobre o total de espécies de ácaros que possam existir são muito difíceis de realizar, mas o coordenador do Laboratório, professor Juarez Ferla, estima que o total de pessoas trabalhando essencialmente com ácaros e suas relações ecológicas no Brasil sejam em torno de 400, o que contribuiu para o estabelecimento de uma ciência com características próprias – a acarologia.
Histórico de descrições
Desde 2008 o grupo de pesquisadores associado ao Labacari já realizou a identificação de cerca de 70 espécies diferentes de ácaros. A contagem leva em consideração a produção até o fim de 2021. A descrição desses organismos é um campo pouco procurado por profissionais da área, contudo é solicitada por Universidades, Institutos de Pesquisa e Embrapas. Saber realizar a identificação em nível de espécie é um diferencial institucional.
Identificação e descrição
A descrição das espécies é uma consequência de um trabalho mais amplo realizado no laboratório, que se concentra nas linhas de pesquisa de biotecnologia na produção primária de alimentos; tecnologia e ambiente; ecologia e bases ecológicas; e eficiência produtiva na agroindústria.
“Não é possível construir conhecimento e publicar informações científicas sem ter a descrição da espécie. No Rio Grande do Sul acabamos nos deparando com espécies novas e fomos forçados a nos especializar nessa área, pois precisávamos dessas descrições”, explica Ferla. Então checar se a literatura científica registra a espécie é o primeiro passo.
As demandas das empresas e órgãos de pesquisa que recorrem à expertise do Laboratório de Acarologia da Univates são a identificação de espécies, a descrição de novas espécies de animais e o suporte para conhecer ácaros predadores que possam ser utilizados nos processos de controle de ácaros-praga. Em geral, o processo inicia da mesma forma, com a coleta de folhas, frutos, amostras de solo ou plantas – ou de outras superfícies nas quais os ácaros possam estar.
Após a coleta, no laboratório as amostras são observadas por meio de um microscópio estereoscópico. Todos os ácaros encontrados são coletados com o auxílio de um pincel muito fino e colocados em uma lâmina de microscopia. Após montada a lâmina seguindo padrões rigorosos de manejo, o objeto contendo os indivíduos fica de cinco a dez dias em uma estufa para a secagem e clarificação dos animais. Na sequência o material pode ser analisado em um microscópio óptico com contraste de fase, que altera o brilho do objeto analisado e permite observações mais detalhadas.
Taxonomicamente todos os seres vivos são agrupados de forma hierárquica. Parte desses grupos inclui as famílias, que contêm gêneros que, por fim, reúnem os indivíduos em diferentes espécies. Primeiro identifica-se a família e o gênero do ácaro analisado. Depois de identificado o gênero, se faz uma busca pelas espécies que têm ocorrência registrada para o local analisado. Para isso é necessário um referencial teórico consistente e trabalho intelectual criterioso de revisão de literatura científica por parte dos pesquisadores.
Quando uma nova espécie é identificada, outra etapa se inicia. É a descrição e a medição minuciosa das características anatômicas e morfológicas dos animais estudados. São descritas a disposição de setas em cada segmento da perna (quetotaxia), as medidas de todas as partes corporais do indivíduo e como é organizado o órgão genital (quantas setas possui e quais são suas respectivas medidas). Como ácaros são animais muito pequenos, um desenho fiel dos exemplares é realizado de acordo com um padrão aceito para a descrição e a representação das espécies das famílias.
Não é possível descrever uma espécie com um único indivíduo. Após a descrição, a espécie recebe um nome científico, conforme o Código Internacional de Nomenclatura Zoológica. Finalmente, um texto apresentando a nova espécie à comunidade acadêmica internacional é preparado, enviado para publicação, revisado por outros cientistas, para assegurar o rigor metodológico da descrição, e, por fim, publicado.
Produção de ácaros predadores
“Quando sugerimos para alguém parar de usar pesticida, é natural a pergunta que vem na sequência: ‘Qual é a alternativa para substituir o produto?’”, explica o professor. “Isso é válido quando pensamos, por exemplo, nos morangos. Quando os ácaros atacam o morango, a falta de controle faz com que a produção seja perdida. Com o nosso trabalho chegamos a conclusões interessantes. Uma delas é que é possível produzir sem usar pesticidas por meio da introdução de um ácaro predador que age sobre o animal nocivo à planta”, relata o professor, esclarecendo como funciona o biocontrole. “Uma coisa é conseguirmos esse resultado no laboratório, outra é transferir essa tecnologia para a sociedade – que é o que o Labacari faz. Estabelecemos um programa robusto para fornecer ácaros predadores que ocupam o lugar dos pesticidas no combate às pragas no cultivo de morango”, detalha Ferla. “Oferecemos aos produtores gratuitamente e capacitamos as pessoas para que usem a tecnologia e a repassem. Iniciamos em 2014 com dois produtores e hoje temos atuação em todo o RS. Criamos um modelo e disponibilizamos esse modelo”.
Referência nacional e internacional
Segundo Ferla, a carência por esse serviço de pesquisa para identificação e descrição de ácaros se expande também pela América do Sul. Países como Argentina e Uruguai não contam com profissionais nessa área. Além de diferentes entidades nacionais, a expertise do Labacari é referência para países como o México e a Colômbia, que, por meio de parcerias com a Univates, têm no Laboratório um espaço para a formação de profissionais que vão atuar localmente. “Existe a necessidade de saber. Toda pesquisa parte da descrição do organismo. Então, quando você se torna independente nisso é possível avançar de forma mais tranquila nos estudos. Mas poucos fazem esse trabalho, pois ele exige preparação, habilidade e competência do profissional”, explica.
Novas perspectivas
As análises moleculares têm contribuído para a área da Acarologia. Esse é um campo do saber no qual os pesquisadores da Univates têm se especializado, uma vez que é útil para estabelecer diferenciações genéticas entre animais morfologicamente similares cujas características são difíceis de serem distinguidas a partir de análises visuais.