O que é o trabalho infantil doméstico e quais prejuízos pode acarretar para crianças e adolescentes
É fato que o trabalho infantil é uma das grandes mazelas sociais no Brasil, e ele também acontece dentro de casa. Muitos não sabem, mas o trabalho doméstico feito por crianças e adolescentes está na lista das Piores Formas de Trabalho Infantil, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), aprovada pelo Brasil por meio do Decreto 6.481/2008, sendo totalmente proibido no país. Mas o que é considerado trabalho infantil doméstico e porque ele é tão prejudicial à crianças e adolescentes?
Conforme a OIT, o trabalho doméstico infantil é caracterizado pela realização de trabalhos domésticos por muitas horas diárias em condições prejudiciais à saúde e desenvolvimento da criança ou adolescente, em troca de salários baixos ou em troca de habitação e educação. Dados alarmantes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em uma pesquisa sobre O Trabalho Infantil Doméstico no Brasil de 2011, mostram que apesar de proibido, esse tipo de trabalho ainda persiste no Brasil e faz parte da cultura da população, já que cerca de 258 mil crianças e adolescentes, entre cinco e 17 anos, ainda estavam ocupados no trabalho infantil doméstico.
Os prováveis riscos ocupacionais previstos pela OIT são esforços físicos intensos; isolamento; abuso físico, psicológico ou sexual; longas jornadas de trabalho; trabalho noturno; calor; exposição ao fogo, posições antiergonômicas e movimentos repetitivos; tracionamento da coluna vertebral; sobrecarga muscular, dentre outros.
“O trabalho doméstico infantil é aquele trabalho no qual a criança ou adolescente não somente ajuda os pais ou responsáveis com pequenas atividades de acordo com o seu desenvolvimento, mas sim são obrigados a executar, sendo responsáveis por diversas atividades que não condizem com a sua formação e idade. Sabemos que há diferentes realidades no Brasil e é uma situação complexa, mas há muitos prejuízos a longo prazo para a saúde e qualidade de vida, além da continuidade do ciclo de pobreza e exclusão, por isso trabalhamos continuamente pela erradicação do trabalho infantil”, explica o Superintendente de Administração do Sistema de Proteção dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria de Estado da Cidadania e Justiça (Seciju), Gilberto Costa.
Prejuízos para toda a vida
As prováveis repercussões à saúde de uma criança ou adolescente vítima de trabalho infantil doméstico, conforme a Convenção 182 da OIT, podem ir desde problemas físicos como contusões; fraturas; ferimentos; deformidades da coluna vertebral, queimaduras até problemas psíquicos como ansiedade; alterações na vida familiar; transtornos do ciclo vigília-sono; síndrome do esgotamento profissional e neurose profissional; traumatismos e fobias.
Para o ortopedista pediátrico, Jorge Antônio da Silva, o trabalho infantil doméstico pode trazer prejuízos para toda a vida do indivíduo. “Não dá para quantificar ou dizer qual a porcentagem do risco de ter patologia causada por acidente de trabalho, mas essa submissão ao trabalho infantil pode acarretar em dores constantes para a criança ou adolescente, acidentes domésticos e tudo isso leva a maiores implicações que são emocionais, tendo uma criança que não se desenvolve bem, não dorme bem, não tem um bom rendimento. Nem um adulto consegue ficar bem sentindo uma dor, ou exausto de uma faxina, imagine uma criança?”, afirma o especialista.
“Entendemos também que durante a vida cotidiana no lar, a criança é instruída a arrumar suas coisas, os brinquedos; quando cresce um pouco mais, arruma a própria cama, lavar uma louça de plástico; mas tudo sob tutela de um adulto e de forma lúdica, sem atrapalhar os horários de estudos e outras atividades porque o direito da criança é brincar, é dessa forma que ela desenvolve suas habilidades motoras e cognitivas e tem uma boa formação. É preciso estabelecer limites, não se pode deixar uma criança mexer com fogo ou com louça de vidro, as crianças não podem ser pressionadas a fazer trabalho doméstico”, frisa.
Quanto aos aspectos emocionais, a Agente Especialista Socioeducativo – Psicóloga, Daniela Fernandes, frisa que os impactos do trabalho infantil doméstico não se separam, pois são complexos e atingem todos os âmbitos da vida da criança ou adolescente. “Psicologicamente, o que mais tratamos é a questão da autoestima, porque a criança tem o acesso e garantia dos direitos negligenciados, trabalhando sem ter qualidade de vida, quando estuda está muito cansada, não tem um bom desempenho, e isso vai afetando a autoestima, vai se sentindo incapaz, inferiorizado, com menos possibilidades, porque as crianças e adolescentes se comparam muito uns com os outros”.
Daniela alerta que pais e responsáveis devem estar atentos a distribuição do tempo das crianças. “Faz bem arrumar o próprio quarto, a cama, desenvolve o autocuidado, mas é diferente de uma responsabilidade total pelos afazeres domésticos e ainda é difícil entender que é uma forma de trabalho infantil. Por isso os responsáveis precisam observar a quantidade de afazeres domésticos e a distribuição do tempo da criança para outras atividades, pois essa carga pode gerar alguns comportamentos como isolamento social, baixo rendimento escolar irritabilidade, distúrbios de sono, dentre outros agravos que as pessoas não conseguem visualizar”, finaliza a psicóloga.
Erradicação
No Tocantins, o Fórum Tocantinense para Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Promoção da Aprendizagem (FETIPA-TO) trabalha ações anuais em escolas, praias, além de audiências públicas em prol de um país livre do trabalho infantil. “As ações para erradicação do trabalho infantil precisam ser constantes, de forma integrada entre todos os órgãos competentes e trabalhando todas as vertentes, porque não é só tirar a criança de uma situação de trabalho infantil, é preciso acompanhamento dela e também dos familiares. O trabalho infantil ocorre muito no contexto de famílias que não veem outra opção, que precisam trabalhar e deixam os filhos em casa como responsáveis pelo trabalho doméstico, sendo algo ainda mais velado e difícil de fiscalizar e combater. É algo complexo que precisa ser trabalhado com ações em diversas frentes”, destaca a gerente de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente e integrante do FETIPA-TO, Rejane Pereira.
Fonte: Seciju TO