Fogo e paixão – um segredo de família
Cláudio Duarte
Enquanto escolho os brincos, ele se aproxima e me entrega uma calcinha adornada com plumas e laços.
A calcinha é vermelha, sensual e adequada para seduzir; evoca luxúria e devassidão.
Surpresa, levo uma das mãos à boca e arregalo os olhos numa interrogação.
Eu calço scarpin e visto um Saint Laurent preto, ombro único, justo ao corpo. Meu esposo usa um terno Prada e sapatos Louis Vuitton.
– Use-a. Vamos nos aquecer no baile… E ao voltar nada me impedirá de arrancá-la com os dentes. Sussurra em meu ouvido. Eu visto; ela atiça minhas chamas e eu gosto.
O show-baile é com o cantor Wando que acaba de lançar seu novo LP e as músicas não param de tocar nas rádios. Eu sou a fã número um e temos uma mesa prime no evento.
A poucos metros do palco, onde o cantor obsceno fará sua performance, nos aquecemos com um doze anos. À meia-noite, a atração principal.
Wando inicia com Senhorita, senhorita, depois Gosto de maçã e Emoções. O salão está cheio e todas as mesas ocupadas.
Entorpecida pela bebida, eu canto, ergo os braços, aplaudo e grito; Wando nem me nota. Aprecia a moça da mesa ao lado que, toda faceira, atira flores.
A cada música ela alterna a cor das pétalas: brancas, rosas, vermelhas. Joga beijinhos e ele agradece. E onde está o vendedor das flores que não aparece…
Já na parte final do show, ele faz uma pausa para agradecer a presença de todos e em especial a sua fã número um; lógico, a mulher das flores. Eu não aguento…
– Vai lá fora agora e compra um imenso buquê de rosas. Anda! Grito com meu marido. Ele me olha assustado, levanta-se, dá com as mãos e, sorrindo, vira de costas e sai.
Wando canta Moça. Seus grossos e devassos lábios relatam a picante sina da jovem menina que não é mais pura e que tem um passado tão forte que até pode machucar.
Lembro meu marido e seu fetiche pela calcinha vermelha: E quando voltarmos nada me impedirá de tirá-la de seu corpo com os dentes. Foi o que ele disse.
Bêbada, eu miro no cantor obsceno. E ele… será que também quer?
“Eu quero me enrolar nos teus cabelos, abraçar teu corpo inteiro, morrer de amor, de amor me perder. Eu quero, eu quero, eu quero…”
Imagino ouvir a resposta, levanto com furor e vou à frente do palco. O fogo do álcool esquenta meu corpo e, enlouquecida, deixo a paixão por meu ídolo transbordar.
Suspendo o vestido até os quadris, enfio os dedos nas laterais da calcinha, arranco-a do meu corpo e a atiro ao rosto do cantor.
Admirado e com olhos de lobo, Wando silencia; a banda também. Das mesas explodem assovios, gritos e aplausos.
Agarrado à comenda, agora o homenageado sorri, cheira e beija o seu rubro troféu.
Me viro apressada e encaro meu marido boquiaberto e estático, com um buquê de rosas brancas à mão, muito sério, a me fitar.
Voltando para casa, bastante envergonhada, peço a ele que prometa manter tudo restrito a nós dois; no mais velado segredo de família.
Ele primeiro ri; depois um pouco sério concorda, e muito bêbado reclama:
– Você enlouqueceu… E agora como vou tirar a sua calcinha vermelha com os dentes?
No quarto, retiro as joias, arranco o vestido apertado e, sem a pecinha desejada, me jogo na cama sobre ele.
Ao amanhecer, desperto e o vejo ao meu lado com um sorriso peralta. Pergunto o que há de tão engraçado, e ele me mostra o jornal.
Fogo e paixão: fã embriagada atira calcinha em Wando.
Abaixo da manchete, uma sequência de fotos minhas e, ao lado, uma foto de meu esposo com o buquê de flores às mãos.
– E agora? Pergunto.
– Agora não há mais segredo. Diz ele, sorrindo. Você é o fogo e eu a paixão.